Todos os Nomes do Mago Saramago - Literários

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Tudo que se disse, tudo que se diz e tudo que se dirá sobre os livros de Saramago sempre será pouco. Mesmo assim é prazeroso falar de suas obras, tão prazeroso quando lê-las. O melhor é debater sobre elas, ver suas múltiplas faces, narrativas, personagens. Tentar entender o que tem ali por trás, pois a única certeza que se tem é que não será algo simples para olhares despreparados.
Sei disso porque eu mesmo ainda tenho olhos sedentários em relação as suas narrativas, e a maior graça de ler cada uma é saber que tem algo lá que eu não olhei, e a releitura sempre será um prazer, tal qual as horas que você fica com aquilo na cabeça tentando desvendar o quebra-cabeça, relembrando as minúcias que podem ou não ser importantes para o bom entendimento... mas, depois de algum tempo, a primeira coisa que posso dizer sobre como entender um livro, principalmente esse em questão, é pelo título.

Publicado um ano antes de Saramago ter ganhado o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998, Todos os Nomes é um daqueles romances em que o título já diz tudo que você precisa buscar na obra. A história por si só já vale a pena, de como um funcionário com seus 51 anos, ao trabalhar na Conservatória Geral de Registros Civis acaba por empreender uma busca à uma mulher desconhecida. Conheceremos esse personagem como Sr.José, e apenas ele é nomeado na obra. O restante é sempre designado com seus títulos, cargos ou simples característica como velha. Eae paramos por alguns instantes. Isso quer dizer algo, não é? Se o título é Todos os Nomes, porque apenas esse personagem é nomeado? Mas continuamos seguindo... A Conservatória é, de fato, o lugar onde todos os nomes habitam. É o lugar em que tanto morto ou vivo estão registradas. É lá, como a própria obra diz, que faz as pessoas existirem. Mas é registrado coisas simples, apenas o nome das pessoas, pais, data de nascimento e/ou morte.
Acontece que o Sr.José trabalha lá a metade de sua vida. Fora isso, mais nada sabe-se dela. É um funcionário exemplar, trabalha certinho e vive (para simplificar tudo) numa pequena casinha ao lado da Conservatória, em que uma porta dá acesso direto ao lugar. Fora essas informações, sabemos que ele também tem um hobby: colecionar reportagens de pessoas que foram e são famosas, todo tipo de pessoa que aparece em jornais e tem seus momentos à vista de todos. Nesse percurso, e para não se revelar muito sobre a história, vê-se frente a informações de uma mulher completamente desconhecia, e por uma ânsia de conhecer esse alguém que nunca foi ou será famosa, saber como e onde vive, como é de aparência e de vida, ele parte numa jornada investigativa que não revelará propriamente dito essa mulher desconhecida, mas sim a consciência que esse funcionário de nome Sr.José cria em suas buscas.


E como isso é lindo, revelador; reflete a nossa própria existência. Acompanhando essa busca, vamos percebendo como o personagem adquiri perspectivas de vida, e a história vai sendo construída de seu ponto de vista, sendo ele ganhando cada vez mais espaço em detrimento do narrador. Assim, vamos percebendo algumas das metáforas que Saramago tece com cuidado ao longo dos livros: aqueles nomes conservados na Conservatória Geral. Eles significam algo. A principio vemos que há uma divisão entre mortos e vivos. Os vivos são guardados numa gigantesca estante que sobe ao teto, tão alto que passa a escuridão predominar lá em cima. Os mortos estão distribuídos por tempo de conservação, e está em outro canto da Conservatória. Ele é descrito como um labirinto, e para não se perder lá dentro, é preciso usar o Fio de Ariadne (o segundo nome que há na história). Acontece que com o tempo, percebemos que essas pastas vazias, de pessoas desconhecidas, cujo as informações apenas estão o nome, data de nascimento e morte, não fazem sentido estarem vazias, e é essa busca pela mulher desconhecida que faz a nos perceber isso. É a busca do Sr.José que dita o ritmo dessa narrativa, e é ela que faz os sentidos e significados ali mudarem.
Não é uma grande epopeia ou épica busca que é empreendida. A jornada é interna e imperceptível para Sr.José, mas para nós, leitores, é... De repente vemos a nós nos questionando, conversando com nós mesmo, vendo as possibilidades dos acontecimentos, tentando contornar os problemas ou antecipar os limiares. Vemos nós instigados a buscar algo que não sabemos como acabará, e o livro volte e meia nos mostra que sempre será algo que não pensávamos.
E no final percebemos que essa busca não revela apenas o Sr.José, mas aos poucos vai mostrando como somos nós nessa sociedade contemporânea, mostra um jeito heroico de enfrentarmos essa sensação de nomes vazios que até então não parecem nada mais que nomes, mas que descobrimos que são indivíduos que também vivem e tem seus afazeres, vontades, pecados e virtudes.


Não se terá muito mais o que dizer, pois é um livro que espero que vocês leem e tirem as suas reflexões. Fiquei um bom tempo tentando analisar da melhor forma possível tudo ali que tem na obra, degustando com prazer as palavras, as frases, as perguntas que Sr.José levanta e como as responde. Essa é uma das mágicas desse livro e de Saramago, há tanto ali, que qualquer parte que você já deguste, você sentirá satisfeito... mas não deixe cair em tentação, você tem que abrir espaço ali na sua mesa, jogar os livros e as anotações pro lado, pegar uma folha em branco e fazer como um quadro de análise, juntando informação e traçando ela. Claro que isso não é necessário, entretanto experimente; aí você verá coisas que não tinha pensado. As menores pistas sempre significam algo nesse mapeamento que você fará... Por um motivo. A narrativa é como em grandes e pequenas parábolas que sempre tem o que dizer. É como se Saramago adicionasse parênteses atrás de parênteses, entrando em cada tema especifico, se aprofundando, e quando você acha que ele começará a contar outra história, ele volta. Aí você se pergunta, porque perder tempo fazendo isso? E então, algumas páginas para frente, você terá a sua resposta, e geralmente ela é mágica.

Com uma narrativa instigante, reflexiva, desafiadora, estive lado a lado com o Sr.José nessa busca, conhecendo um pouco mais dele, dos outros e dessa mulher desconhecido. Descobrindo porque empreendamos as nossas próprias buscas, que aos olhos de outros não detém sentido, mas que para nós, é o que sentimos ser necessário.

            Sempre terá o que dizer sobre José Saramago, e isso não é pouco.

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Como vocês podem ver, a edição que eu li está nas Obras Completas no volume 3. Até o momento, temos 4 volumes de seis das obras de Saramago. Todos, e quando digo todos, é todos que valem muito a pena.