Jurassic Park, 25 anos depois!


Passado mais de duas décadas desde seu lançamento, em 1993, como podemos ver Jurassic Park? Diante de uma atual franquia que já conta com livros, histórias em quadrinhos, jogos e 5 longas no cinema, o espaço que esse primeiro filme tem transcende suas demais produções e alcança o status de clássico. Após 25 anos, é praticamente de domínio público a história daquele parque fascinante onde os dinossauros viviam e as pessoas podiam ser transportadas ao passado até a “pré-história”. É dele que aprendemos a ver os dinossauros como uma força viva, fascinante; contudo, aterrorizadora.

       A proposta tanto de John Hammond, o criador do parque, quanto do diretor do filme, Steven Spielberg, sempre foi tornar aquela experiência – tanto de adentrando naquele mundo jurássico quanto se fascinando com a experiência audiovisual – algo real, palpável, que se podia tocar e pousar sua imaginação em um chão sólido. Passado muitos anos, essa incrível experiência continua surpreendendo. A grande lição que aprendemos no filme, de respeitarmos os dinossauros e a vida que transpõem todo tipo de barreira, alcança a própria produção. O tempo não desgastou Jurassic Park, e como um vinho, apenas incorporou um sabor extraordinário.

         Nos porões da minha imaginação, decidi retirar essa história e bebê-la uma vez mais; agora com o paladar de 20 anos, não de uma criança. E a sensação é ainda mais surpreendente. Não apenas reencontrei aquele passado onde minha imaginação facilmente pousava no chão e tomava facilmente a forma da minha vida, como encontrei um filme sério, dirigido com excelência, um roteiro incrível e discussões sociais e filosóficas que continuam presentes, com uma importância absurda.

         O controle, aquele de tentar estabelecer barreiras e limites para a vida, de organizá-la e programá-la, é uma simples ilusão. A vida é constantemente desrespeitada em prol do entretenimento, como também da cobiça do lucro ao invés da simples diversão e do aspecto cultural que aquela experiência transmite. A preocupação em torna da segurança é inútil. Pois a vida é imprevisível – como um dinossauro –, não segue padrões nem é programada, ela evolui continuamente, é autônoma, coloca abaixo muros de contenção em um processo que pode ser doloroso, perigoso e assustador; assim como belo, fascinante e inusitado. Apesar de vivermos em no século XXI que cada vez mais tem a face de uma calamidade, pode ser necessário histórias românticas e esperançosas como essa.

Por esse motivo que Jurassic Park não cansa de se reinventar.


Mas eu não me esqueci do meu paladar infantil. Como todo vinho aromático e saboroso, lembranças chegam a nós, recordando-nos de que aquela fantasia cheia de dinossauros, olhos esbugalhados de medo, expressões maravilhadas e uma experiência que antes parecia impossível, continua me fazendo crer que a minha imaginação é possível. É diante do grande debate em torno do uso ético das novas tecnologias – nesse caso, da biotecnologia e da genética – que passamos a acreditar na possibilidade de nossos sonhos, assim como os dos personagens John Hammond, Alan Grand, Ellie Sattler, das crianças Tim e Lex, poderem se tornar realidade, partilhados com as nossas próprias vidas.

É pelo tom de terror e suspense, pela trilha sonora épica e marcante de John Williams; pelo roteiro inteligente, reflexivo e pontual de Michael Crichton e David Koepp; pelas imagens incríveis e cenas icônicas que Spielberg traz com sua direção e produção impecáveis, que alcançamos essa realidade antes impensável, mas que agora... é palpável! É pelo filme Jurassic Park que os dinossauros estão constantemente presentes em nossos imaginários, permeando nossos sonhos que se estabeleceram, agora, no limiar da realidade.
 



Passados 25 anos desde o lançamento de Jurassic Park, sempre podemos revisitar essa história que se reinventa continuamente, possibilitando a todo mundo se embebedar, uma vez que seja, com esse maravilhoso vinho que faz nossas dores diminuírem, nosso fascínio pela vida aumentar e nossos sonhos voarem alto o suficiente para alcançar o chão da realidade.

      Eu sei que agora estou bem bêbado e não pretendo ficar sóbrio tão cedo.


O Gigante Enterrado, um livro para o nosso tempo


Eu penso nos tempos de hoje, nesse dia a dia que vivo, aqui em Curitiba com a minha vida corrida de estudante e estagiário. Acho que assim como muitas pessoas, eu paro e penso nos tempos atuais. Eu simplesmente não consigo ter uma boa noção das coisas. Quando começo a esboçar algumas ideias, elas se tornam volúveis nesse ritmo de relativismos, bolhas sociais e intenso tráfego de informações. Acho que isso é um fator de viver a contemporaneidade. Assim como todos que já passaram pela terra, captar de forma ampla e profunda o tempo presente de suas vidas era – e ainda é – algo muito difícil; de se compreender, e ainda mais de narrar.
É aí então que algumas obras surgem para dar algum sentido ao aparente caos. O que eu diria é que O Gigante Enterrado cumpre um pouco esse papel. Entretanto, vou além. Esse romance de fantasia, repleto de cavaleiros, “bárbaros”, seres míticos e sentimentos nas suas formas simples e puras – como o amor e a morte –, é uma obra mais do que necessária nos tempos de hoje. Isso porque ela trabalha com temas tão atuais, tão sensíveis e significativos para o nosso contexto; além de serem questões, se não primordiais, muito velhas à humanidade. Em tempos de impunidade, devemos crer numa paz comandada pelo esquecimento de crimes imperdoáveis?
Como ficaria à Palestina e Israel se seu passado de conflitos e atrocidades fosse esquecido visando a paz? Seria certo optar pelo esquecimento de todos que morreram defendendo suas vidas e seus ideais – e além, daqueles inocentes pegos no meio do fogo cruzado – por uma paz criada a partir de um passado que não existiria mais? É certo esquecer as atrocidades cometidas pelo Estado colombiano ao longo do tempo, assim como todos os sequestros que as Farcs promoviam em busca de financiamento numa luta armada contra a violência estatal? Onde estaria o espaço das vítimas de ambos os lados diante de um esquecimento e da paz forjada no papel? Diante da intensa luta em volta dos arquivos da ditadura militar brasileira, o que falaríamos se optassem pela queima dos documentos visando não abrir antigas feridas e não reaver velhas cicatrizes? Chagas estas que muito dói ainda na pele e nos corações daqueles que a viveram.

Queimando o passado

Dentro do mar de memórias traumáticas e violentas, do esquecimento corriqueiro e imposto, das feridas abertas e incuráveis, haveria espaço para paz e o perdão?

O tom é este, a premissa é essa:

Num tempo em que mito e história são das faces da mesma moeda, a Grã-Bretanha está em ruínas, marcada pelas recentes guerras entre bretões e saxões e pela queda do rei Arthur. A população, órfã e desnorteada, vê-se exposta às mais diversas ameaças, de invasões de ogros a uma misteriosa névoa que afunda o passado no esquecimento.
Quando Axl e Beatrice decidem partir em busca do filho, não se lembram de suas feições, da última vez em que o viram, e nem mesmo sabem ao certo seu paradeiro. Durante o percurso, o casal de idosos encontrará sir Gawain e outros cavaleiros remanescentes da era arturiana, se engajará na busca de uma dragoa que parece estar ligado à névoa e terá seu amor posto à prova, afinal, será que o afeto continua forte o bastante quando já não se podem rememorar as alegrias e agruras que compartilhamos ao longo dos anos?
 

Para se falar de questões primordiais e sensíveis, Kashuo Ishiguro escolheu algumas ferramentas interessantes: dentre elas, a fantasia. Acredito, eu, não haver escolha mais certa. Ao se trabalhar com elementos de fábulas, damos liberdade para pensar o impensável, ir além num mar de metáforas e dilemas, onde os pensamentos e as ideias do romancista podem correr soltas no meio de alegorias entre cavaleiros do passado e presente, num casal de velhinhos que se amam e num jovem que carrega um futuro incerto, em que vingança e perdão se confundem no horizonte. Além disso, nossas reflexões ganham o incrível poder de fazer parte da fábula, poder também correr solto e fazer parte daquele mundo, assim como das ideias do escritor. Como acontecem com as fabulas, elas devem ser contadas, interpretadas, reinterpretadas, compreendidas em diferentes parâmetros, para sem dúvida tirar alguma coisa dali. A literatura funciona muito bem assim. E Kashuo Ishiguro sabe muito bem fazer literatura.
Não quero que vejam essa análise como uma promoção ao romancista. Mas isso é um fato, ele escreve muito bem. Algumas ressalvas sobre esta obra sem dúvida eu tenho. Apenas com sua leitura, é de se contestar o seu Prêmio Nobel; afinal, o prêmio é dado ao conjunto de seu trabalho literário e em sua influência no mundo. Sua obra não é tão empolgante como tantas outras que tem o selo do Nobel na capa. Sua obra é demasiada simples, direta, pontual. Para uma obra que carrega elementos de fábula e fantasia, não encontramos tempo nem espaço para se pensar nesse mundo mítico criado por ele, nesse passado de uma Inglaterra pós-Arthur, confusa e perdida, em que só entramos em contato pelas mãos de Ishiguro. Pouco são sentidas as angustias e as felicidades elucidadas na obra. Tanto é que o romancista deixa claro, seu livro demanda uma maior sensibilidade, ou até, uma sensibilidade própria. Em alguns momentos ela se torna arrastada. E uma crítica que tem a ver com meu gosto de leitura, a obra é rigorosa em sua estrutura, num sentido de que é pontual e linear quase do começo ao fim, quase numa estrutura tradicional. São poucos os trechos em que Ishiguro permite dar liberdade à narrativa, trazendo monólogos e devaneios dos personagens, montando um quebra cabeça entre o passado e suas lembranças afetadas pelo hálito do esquecimento.
Se me é permitido fazer alguma comparação, muitas coisas que enriquecem, para mim, obras como Cem Anos de Solidão, não são vistas em O Gigante Enterrado.

Mas para isso há uma incrível solução. Entre nessa leitura não querendo crer que ela é uma obra de fantasia ou de realismo fantástico. Decerto que ela bebe de alguma de suas ferramentas, mas são pouquíssimas. Ficamos então com a fábula. Ela não é um gênero em si, mas foi a forma mais próxima que eu encontrei para apresentar o romance a vocês. E apesar de não conter estes aspectos que me dão prazer maior ao ler, O Gigante Enterrado é uma obra poderosa. Isso mostra uma vez mais que linguagem simples não é parâmetro de qualidade narrativa ou de prosa. Ela em si é habitual, pontual e direta. Sua narrativa não tem nada de complexa e multifaceta. A história é despretensiosa, bastante comunicativa, familiar e intima. Se Ishiguro revela que deve-se ter certa sensibilidade para compreender de forma mais profunda sua obra, sua linguagem mostra a facilidade no acesso de sua leitura. Como uma cebola, ele vai nos revelando camadas da grande metáfora que é criada ao longo de toda a história, em que o maior sentido só nos é dada com o desfecho da jornada; que além do mais, deixa pequenas, mas cruciais, questões abertas. Assuntos que, repito, são de importância ao nosso contexto atual.


As falas e os diálogos são diretos e sem rodeios. Mas carregam um lirismo poderoso, assim como os monólogos dos personagens. A trama se constrói em torno de algumas imagens, alegorias, que estão muito bem clareadas para o leitor. Temos o cavaleiro do passado, que serviu na guarda pessoal do Rei Arthur, Sir Gawain. Ali estamos lidando com o passado em si, um passado cruel e sem paz, que sem dúvida delineou o presente da história, da Inglaterra. Temos então o guerreiro saxão que fora treinado pelos bretões, Sr. Wiston, que coloca sobre sua tutela o jovem Edwin, uma criança saxã e de criação saxã. Os dois sem dúvida fazem parte do presente, e estão com a mão do futuro. Temos por último a imagem do belo casal de velhinhos, Axl e Beatrice, que juntos representam aquele amor que a tudo supera, personagens estes que também fazem parte do passado, que muito já viveram e muitas histórias têm para contar. Eles não serão meros espectadores que assistem o combate entre a memória e o esquecimento, mas se revelam como pessoas comuns que não apenas sentem essa briga entre dois gigantes, como também buscam sim alterar as coisas. Se suas ações não tem tanto peso nas decisões tomadas na jornada, sem dúvida as suas vontades são muito mais poderosas. Aqui é na camada do sentimentalismo, entre amor e morte, que estaremos sentido nós, os leitores, o agravamento da lembrança que falta aos dois, em suas promessas de se amarem, apesar de não lembrarem quem são, pois os dois sentem no fundo o que cada um tem pelo outro. É nessa promessa, cujo esquecimento jamais deixa de assombrá-los, que buscam acabar com aquele regime de paz forjada na mentira e na magia.


A região é alastrada por algo ainda pior que guerras, pela fome ou as pestes, pior até que os ogros que ali ainda habitavam antes de sumirem com o tempo. É com um toque, sem dúvida, de O Senhor dos Anéis, com uma prosa gostosa de se ler, que vamos sendo apresentados à angustia da confusão de viver sobre a sombra do esquecimento. Uma névoa parece impedir as pessoas de acessarem suas lembranças. Se com muito esforço elas tentam, apenas filamentos da memória vêm, uma mais confusa que a outra. Diante disso, poucos na verdade sentem o esquecimento, poucos se afligem com aquilo tudo. É algo já dado como costumeiro, tão trivial que eles nem percebem.

“Você pode estar se perguntando por que Axl não pedia aos aldeões que o ajudassem a recordar o passado, mas isso não era tão fácil quanto se poderiam supor, pois naquela comunidade o passado raramente era discutido. Não que fosse um tabu, mas ele havia de algum modo sumido em meio a uma névoa tão densa quanto a que cobria os pântanos. Simplesmente não ocorria àqueles aldeões pensar sobre o passado – nem mesmo o recente.” (p. 14).

Questão assustadora, não? Assustador por um fator crucial, Ishiguro está falando de nós mesmos. Podemos muito bem encontrar velhas falácias de que o passado já passou, não voltará mais; está por fim, no passado. Talvez com a leitura desse livro você perceba que optar pela cicatriz em vez do conhecimento do passado, seja uma maneira muito fácil de cairmos na ignorância, aceitar uma vez mais esse presente que para muitos sem dúvida não agrada, como também trucida, mata, assassina. E no final das contas, é igualmente assustador porque a culpa recai em nós, pois do costume de sermos ignorantes ao nosso passado, já não ocorre a nós, aldeões dessas terras cheias de sangue, pensar sobre a cor vermelha dela.

“Será que é a vergonha que deixa a memória deles tão fraca ou é só o medo mesmo?” (p. 74).

Num começo, será a vergonha do nosso passado danoso, ou o medo de descobrir novamente os tantos machucados que cometemos aos outros, que faz nossa memória oscilar ao esquecimento? É difícil ao europeu pensar nos tantos genocídios que causaram aos latino-americanos e africanos – assim como ao deles próprios, pois os campos de concentração e tantos outros povos trucidados mandam um memorando –  e cabe a nós, latino-americanos, esquecer desse passado traumático e vergonhoso, em que não parece haver oportunidade de aboli-lo em sua raiz?
Estas questões, dentre tantas outras coisas, uma mais sensível e séria que a outra, são colocadas a nós leitores. Tudo isso numa narrativa que pode muito bem se confundir com infantil – pela sua simplicidade. Acontece que, se não nos atentarmos um pouco, essa escrita remonta também a essa peste do esquecimento, em que palavras são facilmente esquecidas, e deve-se dizer da forma mais claro, completa e direta. Caso contrário, pode-se esquecer o sentido.


Sentimos também certa raiva com os personagens que se confundem uns nos outros, em dizeres e deveres. Sentimos também a passividade que está presente em quase toda a obra, na tranquilidade, quase como se realmente ao combater o esquecimento, a derrota não fosse mudar muita coisa do presente. Há claro, sim, as vontades implacáveis dos personagens em mudar a situação, mas elas estão numa camada mais profunda, soterradas, sem dúvida querendo sair, pois afinal, elas também são mostradas em suas atitudes frias.
Axl e Beatrice, instigadas por reencontrar o filho do qual pouco lembram, aceitam o desafio, aceitam ter as lembranças de volta. Aceitar não, mas buscá-las, mesmo que lembrar seja doloroso.

“– Axl e eu queremos recuperar os momentos felizes que passamos juntos. Não lembrar deles é como se fossemos roubados, é como se um ladrão tivesse entrado no nosso quarto à noite e levado o que nos é mais precioso.
 – No entanto, a névoa encobre todas as lembranças: tanto as boas, quanto as más. Não é verdade senhora?’
 – Nós aceitaremos as más lembranças de volta também, mesmo que elas nos façam chorar ou tremer de raiva. Afinal, elas não são a vida que compartilhamos?” (p. 196).

É assim, numa versatilidade entre a importância das lembranças íntimas até os esboços de uma memória coletiva, que Ishiguro nos apresentando um tema tão sensível. É um livro sem dúvida que requer releituras, novas análises, interpretações de outras perspectivas, pois, apesar de estar confabulando uma Inglaterra pós-Arthur, com cavaleiros, ogros e dragões, sem dúvida ele também está falando de nós, em todas as coisas que colocamos nas nossas costas, nos perigos e na leveza de esquecer, no peso e na vivencia de lembrar.

            Kazuo Ishiguro escreve não apenas uma bela história, como uma obra que cria ordem em meio ao caos, ou ao menos tenta, pois as questões e debates trazidas são de grande importância hoje em dia, em que o campo das ciências humanas não cansa de refletir sobre. Por isso mesmo que essa linda fábula de morte, amor e memória, é extremamente necessária. Suas reflexões ajudam a entender os impasses e as encruzilhadas do nosso tempo, assim como os nossos próprios dilemas e deveres no mundo contemporâneo. Ele não dá respostas, mas cria perguntas, perguntas profundas que tocam até o mais profundo de nossas almas.



Os Segredos Textuais de Rick and Morty


Apesar de o entretenimento se dividir em muitas mídias (literatura, teatro, cinema, TV, et cetera), configurando diferentes maneiras de o público absorver a arte em geral, existe um elemento estrutural que está presente em toda esfera da cultura: o texto. Tal elemento dita regras que não podem ser postergadas por um livro, filme, ou no caso, uma animação, pois o texto é uma característica linguística e a linguagem abrange tudo em nosso mundo, incluindo, logicamente, o entretenimento.
 “Rick and Morty” possui um texto complexo, que carrega em suas entrelinhas diversas formas de reflexão. Sejam elas de natureza científica, filosófica, social ou psicológica, fica claro após uma simples análise que “Rick and Morty” utiliza o humor como ferramenta para transportar pensamentos mais profundos para seu telespectador. Por mais que o caráter visual de uma animação ganhe o maior espaço nesta forma de entretenimento em si, é no texto que vive a essência complexa do seriado, que obriga público a sair de sua zona de conforto com frequência.

"A Cidadadela dos Ricks definha como modelo de sociedade fundamentada em paradigmas de valor idealizado"

“Rick and Morty” é uma animação televisiva que cumpre muito bem o papel de divertir o público em geral, mas também permite reflexões mais profundas e elaboradas, dada a tamanha quantidade de informações e inserções abstratas ao longo de seu enredo. Mesmo que tal afirmação pareça, de certa forma, carregada de presunção, não se compreende com abrangência “Rick and Morty” sem antes depreender que a animação possui, de fato, um texto complexo. Após estabelecer tal realidade, torna-se mais clara a análise do caráter niilista de Rick (cujo desapego quase que completo correlaciona ao resguardo da existência humana é claro e manifesto), o existencialista de Morty (ciente da diminuta importância do ser humano no universo, mas que sente o dever de salvaguardar a vida de modo passional), e a insanidade – que está presente em todas as aventuras da dupla ao longo das três temporadas.

“Rick destruído após ter sua identidade individualista confrontada pela consciência coletiva de Unity”

Mas como se desenvolve a estrutura textual de “Rick and Morty”? Bom, antes de mais nada é preciso explicitar que um texto não é simplesmente um aglomerado de frases. É necessária a enumeração e compreensão de significados (basicamente como o desenho me mostra isso ou aquilo), bem como a ordenação do contexto apresentado, pois o contexto é a primeira impressão que o público tem em ordem de iniciar sua compreensão do desenho. No caso de “Rick and Morty”, o contexto se traduz na desajustada família de Rick, onde a raiz do casamento de Beth e Jerry é uma gravidez não planejada (Summer), a consequência é um aglomerado de frustração nostálgica, insucesso profissional e pessoal, entre outras coisas, que findam em uma gradual desconexão entre os membros da família. Tal desconexão é acentuada com a mera presença de Rick, que salvo alguns espasmos, não demonstra qualquer conexão afetuosa com os demais. Ou seja, para se fazer uma boa leitura inicial do desenho é necessário levar em conta o contexto na qual está inserida.
Então o espectador se encaminha progressivamente para notar que todo texto contém algo a declarar dentro de um debate de escala mais ampla. Nenhum texto é uma peça isolada, nem a manifestação da individualidade de quem o produziu. De uma forma ou de outra, constrói-se um texto para, através dele, marcar uma posição ou participar de um debate de escala mais ampla que está sendo travado na sociedade. Até mesmo uma simples notícia jornalística, sob a aparência de neutralidade, tem sempre alguma intenção por trás. O que não é diferente em “Rick and Morty”, e o espectador, entendendo isso, passa a absorver o que cada episódio quer dizer sobre nossa sociedade, nosso mundo, nossa existência, sobre a nossa realidade pessoal.

“As lembranças felizes e mortais da família de Morty”

Como salientado acima, “Rick and Morty” explode informações em cima do telespectador, indiferente se o mesmo as compreende ou não. Caracteriza-se então a intertextualidade (quando um texto faz referência a outro) como um dos fatores textuais da animação. Nesse fator, o escritor/criador da obra pressupõe que o leitor/espectador compartilhe com ele de um mesmo conjunto de informações a respeito das obras que compõem um determinado universo cultural. A forma de intertextualidade mais utilizada em Rick and Morty é a paródia (raiz do humor presente no enredo), que é quando um texto cita outro invertendo seu sentido, contestando-o, deformando-o afim de com ele polemizar. Os exemplos se acumulam, bem como as informações nos episódios, mas vale recordar passagens paródicas como o plano de Rick, que queria transformar Morty em Adão e Jessica em Eva; a ideia de se criar um sistema de sociedade fundamentado em paradigmas de valor idealizado como a Cidadela dos Ricks; ou a aparente supremacia de um criador de universos que se preocupa em reestabelecer controle sobre sua criação afim de correr para a sorveteria mais próxima. Entre tantos outros exemplos.

Também foi visto que todo texto possui um pronunciamento e, ao fazer essa manifestação de ideias, o autor trabalha com as noções de seu tempo e da sociedade em que vive. Com efeito, as concepções, as ideias, as crenças, os valores – ou seja, a cultura – não são tiradas do nada, mas surgem das condições da existência. Assim se estabelece as relações que o texto possui com a história, reiterando-se que todo o texto incorpora e integra as ideias da sociedade e da época em que foi produzido. Por exemplo, nos anos 1980, após muito tempo, estava estabelecida a fórmula da felicidade humana. Consistia em, ao alcançar a idade adulta, estudar para garantir uma graduação, trabalhar, construir uma casa, casar-se e ter filhos, formando uma família, que nada mais seria o ápice da conquista humana. Não só a sociedade americana (muito influente não só na indústria de entretenimento, como também na idealização de valores) como a sociedade mundial agregaram grande apreço por essa fórmula, considerando desajustados e excluídos todos os que nela não se encaixavam.

“Pickle Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiick!”

Contudo, algumas pessoas não só discordavam desses conceitos como também deram voz à subversão desses valores, trazendo horror às percepções da sociedade conservadora. Nesse contexto nasce a animação “Os Simpsons”, parodiando toda a significância do extremo valor familiar, mostrando o quão descabida é essa noção, pois tal se pautava necessariamente nas aparências, na preocupação com o juízo de terceiros. Muitos anos se passaram e hoje em dia, a crítica presente em “Os Simpsons” já não é mais novidade, tornando o seriado em muitos aspectos obsoletos, preso a limites conceituais passados. Limites que são ultrapassados com facilidade por “Rick and Morty”, que traz conteúdos muito mais pertinentes à nossa época, abrangendo não só o contexto familiar como também o social e existencial, filosófico e científico. Não cabe pesar a qualidade real entre as duas animações, apenas cabe verificar como a análise temporal de ambas animações influencia no continente das mesmas. Ainda mais quando se analisa a alteração da abordagem das artes de forma abrangente, ao longo da história humana. De um modo geral, na era clássica os conflitos se baseavam no embate entre homem e natureza; na era moderna os conflitos abordavam o confronto entre homem e sociedade; na pós-modernidade o confronto mais salientado coloca frente a frente o homem e a tecnologia, homem e a realidade (contexto no qual se encaixa Rick and Morty). Até mesmo as percepções de bem e mal mudam com o passar do tempo. Faça um exercício de comparação entre o personagem mais subversivo de “O Simpsons” e o de “Rick and Morty” e constate o quão humanos diferentes eles são (Homer e Rick).

Bom, indo mais além, existe outra característica textual na qual “Rick and Morty” está fundamentado, os níveis de leitura de um texto. Ao primeiro contato com um texto qualquer, por mais simples que pareça, normalmente o leitor/espectador se defronta com a dificuldade de encontrar a unidade por trás de tantos significados que ocorrem na sua superfície. Na primeira leitura, parece impossível encontrar qualquer ponto para o qual convirjam tantas variáveis e que dê ordem à aparente desordem. No entanto, quando se trata de um bom texto, como o de “Rick and Morty”, por trás do aparente caos, há ordem. Quando, após várias leituras, encontra-se o fio condutor, a primeira impressão de desorganização cede lugar à percepção de que o texto tem harmonia e coerência.

Mas como compreender os níveis de “Rick and Morty”? Há basicamente três níveis de leitura que se distinguem um do outro pelo grau de abstração.[1] As diversidades se manifestam no nível da superfície do texto, e a unidade se encontra no nível mais profundo. Assim se comportam os três níveis:

1 -     Uma estrutura superficial, onde afloram os significados mais concretos e diversificados. É nesse nível que se instalam no texto os personagens, os cenários, o tempo e as ações concretas. Assim, se encaixam os papeis de cada personagem da família de Rick – o tipo de atividades e aspirações primárias eles têm e como estas diferem entre si. Depreende-se até Morty como uma espécie de ponte entre o contexto ordinário da família e o contexto extraordinário proporcionado pelas aventuras com Rick.

2 -     Uma estrutura intermediária, onde se definem basicamente os valores com que os diferentes sujeitos entram de acordo ou desacordo. Nesse nível o caráter dos personagens nos saltam à vista, como por exemplo, o quase que completo descaso de Rick em correlação à existência, fazendo-o postergar até mesmo o apreço que tem pelo próprio corpo, permitindo-se transformar de maneira hilária em um picles; também o caráter existencialista de Morty que se contrapõe ao modo de ver a vida de Rick, sem precisar se fundamentar em preceitos religiosos para ser crível, tornando o garoto um dos personagens mais profundos da animação.

3 -     Uma estrutura profunda, onde ocorrem os significados mais abstratos. É nesse nível que se podem postular dois significados que se opõem entre si e garantem a unidade do texto inteiro. É aqui que passamos a compreender que o ritmo frenético dos acontecimentos na animação se dá como uma forma de salientar o quão diferentes e complexos são os membros da família de Morty, em uma analogia extremamente bem elaborada da humanidade em geral. As características singulares dos personagens entram em choque o tempo inteiro, provocando reflexões de diversas naturezas no espectador. Um grande exemplo disso é quando Rick, Beth, Jerry, Summer e Morty se veem enclausurados com seres que representam as lembranças da família, que se aglutinam para destruí-la sistematicamente, antes de Morty compreender que tais lembranças parasitárias se alimentavam das aspirações e personalidades de cada membro.

“Temos que nos comportar senão seremos castigados”


Uma vez no contexto da estrutura profunda do texto, oposições do tipo: liberdade versus submissão, vida versus morte, natureza versus civilização unidade versus multiplicidade, et cetera, surgem aos montes. A análise de um texto não consiste apenas em encontrar a oposição reguladora dos seus sentidos, pois, se somente isso for feito, reduziremos sua riqueza significativa a quase nada. Entretanto, a importância de se detectar a estrutura fundamental de um texto reside no fato de que ela permite dar uma unidade – uma direção, um fio condutor que engloba todos os elementos do desenho – profunda aos elementos superficiais, que, à primeira vista, parecem dispersos e caóticos.
Cada um dos polos opostos da estrutura profunda vem investido de uma apreciação valorativa. Em “Rick and Morty”, por exemplo, vemos Rick dar valorização positiva à unicidade (convergência de ideias em vez de valorizar a diversidade) e negativa à multiplicidade social, inclusive gerando um episódio memorável na segunda temporada onde Rick se vê impelido a refletir sobre seus conceitos e anseios. Nesse sentido de estrutura narrativa se descreve melhor os objetos com os quais o sujeito entra em relação de posse ou privação. Objeto, nesse caso, não deve ser entendido como uma coisa, mas como tudo aquilo que um sujeito pode adquirir ou perder: riqueza, amor, alegria, et cetera. Assim fica compreensível os motivos de Rick ficar em frangalhos no fim do episódio exemplificado.

Há muito o que se falar e de se analisar  “Rick and Morty”, como a relação textual entre temas e figuras presentes no cerne da animação, onde as figuras são ferramentas concretas e bem definidas colocadas em cena apenas para carregar temas e significados abstratos e reflexivos, criando uma atmosfera orgânica de profundidade singular:

“Temos que nos comportar senão seremos castigados”.
“Qual é cara, você tem que ficar schwifty!”.

Com esse pequeno artigo apenas se ilustra como o texto da animação gera influência direta em seus significados, tornando “Rick and Morty” uma produção realmente protuberante em face às outras que dividem espaço de concorrência pela atenção do público.





[1] Os três níveis são referenciados de José Luiz Fiorin, Francisco Platão Savioli, Grant Snider.


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Fala ae, pessoal, tudo certo? Quero salientar que esse belíssimo texto de Rick and Morty foi escrito pelo novo colunista do blog, Bruno Birth. Todos os devidos créditos vão para ele! Agradeço imensamente por ter deixado para nós esse texto tão profundo! ele estará agora bem presente no Máres Literárias. Então aguardem mais ótimos artigos. 


A Fantasia como nossa Realidade


Stranger Things nos possibilita pensar e refletir aspectos que leitores, telespectadores e cinéfilos enfrentam praticamente todos os dias. Se sua vida passa a ser muito mais de livros, séries, filmes, HQ’s, é normal receber críticas de que todas essas coisas são meras “coisas”. “É só uma série”, “é só um livro”. Isso é bem recorrente. Sentimos então uma angustia rotineira por não conseguirmos explicar o porque delas serem tão importantes quanto andar, respirar e dormir. Elas fazem parte do nosso mundo, da nossa formação como indivíduos.
Espero agora que você tenha assistido toda a segunda temporada da série, caso contrário, esteja ciente que há spoilers morro acima. Agora junte suas tralhas, ponha tudo na mochila, aperte a alça, beba água para ficar hidratado, e vamos comigo sair dessa caverna.


Desde a primeira temporada conhecemos inimigos monstruosos que, a princípio, não têm nomes. Monstros de outra dimensão, tenebrosos e assustadores. Como lidar com algo que você não conhece? Afinal, as crianças não fazem ideia do que estão enfrentando. Mas elas dão uma simples aula de como lidar com uma ameaça que não é compreendida: nomear o monstro. Demogorgon é o nome dele, e elas tiram isso de um jogo famoso de RPG, Dungeons and Dragons (D&D). Esse jogo é cheio de elementos de fantasia, desses que normalmente encontramos em literatura de fantasia como – claro que vou citar ele – O Senhor dos Anéis (entretanto, não apenas dele).


Daquele momento em diante a fantasia passa a fazer parte do mundo delas. O monstro é real, elas o veem e sentem, e agora tudo mais faz sentido, porque foi necessário aquele nome para entenderem exatamente como lidar com a situação. Não foi apenas a criatura que ganhou sentido, mas o próprio Mundo Invertido, ou que antes era chamado Vale das Sombras, uma dimensão que é o eco da nossa, sombria e escura. Agora eles não apenas sabem o que o monstro é, como o mundo que ele habita.
Agora, a segunda temporada mantém exatamente a mesma coisa. O Demogorgon e o Mundo Invertido já não são novidades, mas o monstro das sombras é. Ele é muito mais perigoso que a criatura da primeira temporada: primeiro, pelo simples fato de que ele controla os Demodogs e constrói um exército deles; segundo, porque ele também possui Will, que vira então um “superespião”, quase um agente duplo.


Quando todo mundo está na casa dos Byers esperando a ajuda chegar, a mente de Lucas e Dustin iluminam-se. O Monstro das Sombras liga todos os cipós, os Demodogs, assim como Will, fazendo todos sentirem o que ele sente. Ele é o cérebro. De relance então vem o que Sr. Clarke, o professor das crianças, fala com todo o seu discurso científico. Assim, o nome Mente de Colmeia surge na conversa; consciência coletiva e superorganismos também são citadas. E então Dustin tem mais um relampejo, descobre que o Monstro das Sombras na verdade é o Devorador de Mentes (Mind Flayer).



[DUSTIN] - Um monstro de uma dimensão desconhecida. Tão antiga que nem conhece seu verdadeiro lar. Ele escraviza raças de outras dimensões tomando seus cérebros com poderes psiônicos desenvolvidos.
E então vem aquela pessoa chata, o cético, com o discurso que todos conhecemos.
[HOPPER] – Nada disso é real. É um jogo de crianças.


A realidade é muito dura, não é Hopper, que mesmo quando há um bando de monstros matando pessoas, crianças com poderes e outra dimensão você ainda vem e fala que nada daquele mundo de fantasia que encontramos no RPG é real. Pois bem, se ele não era, passou a ser no momento que as crianças encontraram uma metáfora para que a própria realidade deles tenha algum sentido. 


[DUSTIN] – Essa é a melhor metáfora...
O Lucas interrompe.
[LUCAS] – Analogia.
[DUSTIN] – Beleza, é uma analogia para entendermos o que é isso.





Joguinho de palavras interessante, não é? Vamos abrir o dicionário:

 Metáfora é uma figura de linguagem onde se usa uma palavra ou uma expressão em um sentido que não é muito comum, revelando uma relação de semelhança entre dois termos.
(...) Metáfora é a comparação de palavras em que um termo substitui outro. É uma comparação abreviada em que o verbo não está expresso, mas subentendido.
(...) A metáfora é uma ferramenta linguística muito utilizada no dia-a-dia, sendo importantíssima na comunicação humana. Seriamente praticamente impossível falar e pensar sem recorrer à metáfora.
(...) Muitas vezes as pessoas não querem ou não conseguem expressar o que realmente sentem. Então falam frases por metáforas onde seu significado fica subentendido.

Basicamente nós falamos, entendemos e vivemos de metáforas. Ela nos ajuda na comunicação de nós mesmos, para transmitir ideias, reflexões, pensamentos e sentimentos; de uma forma não direta, mas indireta, subentendida. Para Steve entender tudo que as crianças estão contando, ele necessita de uma metáfora e/ou uma analogia que faz parte do seu mundo.


[DUSNTIN] – Ele (Devorador de Mentes) quer nos conquistar. Ele acredita ser uma raça mestre.
[STEVE] – Como os alemães?
[DUSTIN] – Os nazistas?
[STEVE] – Sim, os nazistas.
[DUSTIN] – Se os nazistas fossem de outra dimensão... Ele (o Devorador de Mentes) considera outras raças, como nós, como inferiores.

 
Acho que nosso repertório de falas está finalizado... Dando prosseguimento ao texto, fique atento com a forma que Steve encontra para entender aquele monstro. Ele precisa de uma referencia do mundo (nazismo) dele para entender uma criatura de outra dimensão; porque, afinal, seu mundo não é o de fantasia (uma pena para ele). Mas o das crianças é; e é tão importante aquele mundo cheio de seres incríveis e místicos, que ele é transposto para a realidade de todos, ao ponto que o grupo inteiro entende a metáfora ou analogia de Dustin, começando a chamar aquela consciência coletiva de Devorador de Mentes. Não apenas isso, como sai do campo teórico, da explicação, e passa ao prático, em que eles montam uma estratégia para enfrentar a criatura; por mais incrível que pareça, aquilo surte efeito.
 A fantasia tem efeito sobre o nosso mundo “real” e é poderosa o suficiente para fazer-nos lidar com a realidade.
Outra forma de entendermos isso é comparando dois discursos. O científico, representado pelo professor das crianças: Sr. Clarke; e o ficcional, o da fantasia, representado pelo jogo de RPG, D&D. O primeiro discurso usa igualmente termos – como o segundo – para explicar a realidade: consciência coletiva, mente de colmeia e superorganismo. O discurso da fantasia fala de Devorador de Mentes. E por um curto momento o discurso histórico também surge, falando de nazismo. Naturalmente todos conseguem e podem até preferir entender sua realidade a partir de um dos discursos. Mas a graça é que escolhemos o mais conveniente para nós.
Acontece que aquela pessoa chatona que não entende a ficção de livros, séries, filmes e HQ’s, passa a ser ignorante por não querer compreender aquela outra forma de lidar com o mundo objetivo (o mundo “real”). E dá no que dá...


Mas agora você se perguntam o por que tive que utilizar uma série de Tv como metáfora também para explicar alguma das minhas reflexões. Eu digo então que, o que disse até agora ajuda entender também a própria série. Tudo que a trama desenvolveu ao longo de sete episódios só se torna mais concreto e ganha um maior sentido quando as crianças, no oitavo episódio, compreendem o que aquela criatura é. E nós também sentimos aquilo. Não sei vocês, mas eu fico ainda mais assustado e temeroso com o Devorador de Mentes, pois seu perigo não é apenas da coerção física e violenta, agora é também psicológico. Estamos lidando com dominação mais profunda e difícil de enfrentar, pois a força física não adianta mais aqui. Tanto é que no final o monstro não é derrotado. O portal de fecha, mas a criatura não morre. Ela ainda está lá observando atentamente cada passo, cada ação, cada suspiro das crianças, principalmente de Eleven.


Aquele portal que trazia tantas coisas horríveis como inimizade, descrença, traições, manipulação, depressão e inseguranças agora está fechado, mas a entidade depreciativa ainda está nos rondando mesmo nos nossos momentos felizes, esperando uma vez mais para atacar.


Nem tudo é tristeza, no entanto, pois se uma coisa a série mostra muito bem é como lidar com todos estes problemas da vida. Amizade, amor, companheirismo, jogos, músicas, danças e beijos, talvez sejam um bom caminho para trilhar. Não podemos ficar sentados e esperar lá no Condado; devemos ir até Mordor – o problema –, enfrentar tudo aquilo, para enfim compreendermos alguns sentidos da vida. E então podemos voltar, diferentes obviamente.


E assim Stranger Things transpõe o campo da fantasia para fazer efeito sobre nós, pois assim como as crianças usam metáforas para entender seus problemas e as situações que estão passando, a série é uma grande metáfora livre para nós interpretarmos, e tirarmos dela um sentindo que tem efeito sim na nossa realidade.

 


Livros, séries, filmes e HQ’s não são apenas livros, séries, filmes e HQ’s. Se liga!


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Eae, pessoal, gostaram do texto? Muito bem, quero indicar algumas postagens do blog que podem ajudar ainda melhor compreender tudo is. O primeiro é a análise da 2° Temporada de Stranger Things, cujo alguns aspectos de lá estão aqui. O segundo é um texto sobre História e Literatura, que apresento uma conversa sobre ficção. (só clicar em cima das marcações)