O Nome do Vento, um Clássico?
Como poderíamos descrever um
clássico? Como falar o que ele é? Esse trabalho é tão grande e complexo quanto
dizer o que é o amor. Não pela comparação do sentimento e das emoções que esses
trazem a nós, mas pelo fato de que o “clássico” é muito particular, ao mesmo
tempo em que é muito universal. Todos nós temos uma definição, um sentimento
diferente, por mais que muitos deles beirem as formulações universais. Mesmo
assim não é igual.
Então...
por que trazer a pergunta se O Nome do Vento é um clássico? Desculpo-me
prontamente, o título é apenas para exibição, além do nome dessa nova coluna. É
completamente impossível definir um livro já como clássico, ele estando aqui em
nosso tempo presente. Toda via, estou no papel de balancear essa obra de
fantasia e trazer hipóteses que podem vir muito bem a se tornarem realidades no
futuro.
Ou pode ser
tudo balela. O tempo nos dirá...
No
meio dos grupos de leitores de fantasia O Nome do Vento é bastante
conhecido. Se você não leu, provavelmente tem uma caralhada de gente que fala
dele nas redes sociais, ou até um amigo que não larga do seu pé falando para
lê-lo. Isso tem um motivo óbvio, esse livro é muito bom. A Crônica do
Matador do Rei é uma série inacabada – com o terceiro livro já em produção
–, que, apesar disso, tiram suspiros, choros, risadas e encanta o coração de
muita gente desde que seu primeiro livro, O Nome do Vento, foi lançado
em 2007. Sendo traduzido e lançado no Brasil em 2009 pela Editora
Arqueiro/Sextante.
Vendo por esse
ponto, um clássico é aquele livro que nos tira os mais profundos sentimentos?
Talvez... mas essa é uma forma muito particular de análise. Muito individual
para cada pessoa, não pelo cenário geral.
Talvez
a maior genialidade que Patrick Rothfuss traz em seu livro é conseguir
pegar muito dos aspectos comuns nas histórias – como o menino órfão que sofre,
e que tem que lidar sozinho com as coisas da vida, dando em certo ponto uma
volta por cima e se dando bem... Pega inclusive aquela paixão difícil de lidar
que tira ódios e admirações das faces dos leitores... – e deixá-lo mesmo assim
de uma forma bastante original.
O forte do
livro simplesmente é sua narrativa, empolgante e bastante aprofundado no
psicológico do nosso querido e amável Kvothe. Em 1° pessoa isso acaba por
se tornar de certo ponto fácil ao ser apresentado, no entanto, até então nenhum
outro autor que li chegou aos pontos da magnificência que a narrativa traz,
conectando-se ao nosso mais profundo âmago; como posso dizer...? assim como uma
canção. É a simpatia (trocadilho para quem já leu – percebem agora como faz
sentido esse nome?), e principalmente a empatia. A Mágica que pode transformar
uma história até então simples, numa obra aclamada por muita gente.
E
sempre dá vontade de reler... Entendem agora uma das
primeiras delimitações do que pode vir a ser um clássico? Segundo Italo Calvino (escritor e ensaísta
italiano), um clássico pode muito bem ser a obra que geralmente a pessoa está
relendo... Ou simplesmente lendo. Comum escutarmos dentre esse livro: “Já está
em próxima na minha lista de leitura”, ou “Já ta no carrinho de compras e quero
logo ler ele”. Entrando na parte do ler, antes do prefixo “reler”, pode muito
bem se encaixar que, a cada releitura você a vê de uma forma diferente, como se
fosse outra primeira vez. A história claro que é a mesma, mas você percebe
muito outras coisas que a cada releitura enriquece muito mais a obra.
“Um clássico é um
livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”
– Italo Calvino
É
uma das melhores premissas – que particularmente adoro – sobre uma possível
definição de clássicos. O Nome do Vento acaba se encaixando como uma
luva nesse aspecto. Ao longo da história há inúmeras pistas que são possíveis a
montagem de várias teorias a respeito do universo e dos próprios personagens
que Patrick Rothfuss cria. E vai muito mais além, pois ao longo do
livro, inúmeras histórias, contos e músicas recheiam as páginas com sombras,
mistérios e inúmeros sentidos à narrativa principal. É quase como se cada
palavra ou frase pudesse muito bem dizer uma coisa para aquele leitor ali. No
entanto, outro vê outro significado... E com isso temos a famosa divisão que há
entre os fãs. Uns amando esse, outros odiando aquele. Herói ou vilão?
São
pontos de vistas que temos liberdade de criar. Kvothe é um mentiroso de
primeira ou simplesmente tem sorte? É um pouco de tudo? Ele é tão inteligente
quanto o livro apresenta? Como dito, o forte é a narrativa e vamos nos ater um
pouco mais nesse ponto: ela é apresenta de uma forma bastante interessante,
trazendo uma questão muito importante para os contadores de história.
No livro, Kvothe
é um Edena Ruh, naquele universo são grupos itinerantes que se apresentam de
cidade em cidade – quase como um circo. São tão antigos quanto o fogo, pois como
ele diz, já na primeira fogueira havia um Ruh contando história. Uma das
tradições dessa grande família é a de contar histórias, fábulas, canções,
entreter as pessoas, contar algo ficcional e metafórico – no entanto, como é
dito inúmeras vezes no livro, há sempre uma verdade por trás delas. Kvothe então passa a contar a sua
história, ao seu tom a verdade dela (por isso em 1° pessoa). Nisso recai o seu
ponto de vista sobre toda a situação e problemas que ele passa ao longo da
narrativa. Em vez de Rothfuss transformar a narrativa em verdade única,
por meio de diálogos com seus amigos percebemos como muitas vezes Kvothe
imagina as coisas – elas vêm muito mais da sua cabeça do que da realidade,
aquela que seus amigos enxergam.
No
entanto, essa genialidade narrativa fará com que esse livro vire um clássico?
Lembremos que David Copperfield, de Charles Dickens, traz igualmente a 1°
pessoa, mas, no entanto ela é fechada, a única verdade que conhecemos; e ele é
um clássico, por seus méritos, sem dúvida, mas o que quero dizer aqui é... uma
narrativa inteligente como a de Rothfuss pode elevar seu livro a
“classe” de clássico? Um livro se sustenta apenas com narrativa? Não, jamais,
apesar de que isso é uma parte fundamental para o todo.
Um
dos pontos fundamentais que recai sobre o clássico é o de ser memorável, por
mais que a história possa fugir de nossa mente, há momentos que lembramos com
clareza, e que mesmo após anos, continuam nos atingindo. É como se do nada,
rememoramos aquele Lampião que cresceu em Nárnia
como se fosse uma Árvore... Quando sofro com qualquer coisa em minha vida,
remonto automaticamente as 4 portas da mente, ao sofrimento que o jovem Kvothe
sofreu em sua infância. Principalmente de como ele lidou com tudo. De sua
generosidade ao ganhar um sapato... ou até da forma que lida com a música,
muito parecida da forma que eu lido com minha escrita. Vem a minha cabeça a
imagem de Kvothe e seus dois melhores amigos, Sim e Will,
voltando à Universidade, bêbados. No entanto eles eram os maiores amigos do
mundo e naquele momento nada mais importava do que aquilo. Esses momentos, que
às vezes não passam de uma página, são os que acabam nos marcando.
Uma vez lido O
Nome do Vento, muito do que está escrito nele, passa a nós. E se realmente
foi marcante, passamos a delimitar e até pensarmos segundo alguns princípios e
aspectos que o próprio livro nos traz. Modos de lidar com o sofrimento, modos
de pensarmos as histórias, modo de agir frente a problema, situações
inesperadas, surpresas e males da vida. A visão de cima para baixo – constante
enquanto os Edena Ruh são difamados por todos, que geralmente não os conhecem,
como miseráveis e ladrões – o tratamento que as mulheres tinham em tempos mais
antigos, o sentido e como a música pode permear vidas humanas. Nesse ponto, O
Nome do Vento é lindo, empolgante e extremamente marcante; em grande parte
também pelas viradas na história. Aqui, por essa pequena divagação, ele é um Clássico,
em quesito até universal. Sua leitura inspira os leitores e escritores. Ajuda-os
a lidar com as perdas e seus problemas sérios. Anima e encanta. Joga sementes,
que quem o leu, logo se sente no dever de se levantar... para os criadores,
parece um chamado para a escrita. Ele é daqueles livros para tirar as ressacas
literárias. Um tempo atrás eu estava mal e essa história me ajudou a voltar a
ler. Simplesmente ela me mostrou as mazelas e as glórias das vidas. E da mal,
fiquei bem. Voltei a ficar afiado na leitura.
Entretanto,
os clássicos geralmente são aqueles excepcionalmente originais, os primeiros,
aqueles que muitos outros que se seguiram terão O Nome do Vento como
inspiração. Conseguem me dizer um livro de tamanha importância que antecedeu O Senhor dos Anéis em ideia,
gênero e estilo? Um pouco difícil, talvez pela nossa falta de leitura. É fácil
distinguir as leituras que Tolkien
teve, e dessas que apareceram em sua obra? Difícil... Muito do que ele escreveu
vem de suas próprias experiências. Dostoiévski,
escritor Russo do século XIX, dizia que para alguém se tornar um grande escritor,
ele deveria sofrer, sofrer muito. Seu pensamento de que grandes obras vieram
muito das experiências pode até certo ponto ser ultrapassada... mas sabiam que
o chocolate que Harry Potter come depois de enfrentar abertamente um dementar
na sala do Lupin vem diretamente da época em que J.K Rowling estava em
depressão? Aquele chocolate passou a significar algo para ela, ajudou-a. As
experiências contam muito, por mais que seja uma forma tradicional de pensar. O
fato é, escrevemos com base em nossas experiências e sentimentos, e isso pode
muito bem trazer enorme peso à obra, pois são escritas sinceras. Ao passo que,
apesar de todo o drama, todo o sentimento aprofundado que temos em O Nome do
Vento, são coisas que em muitas partes vimos em outras histórias. Apesar de
que alguns aspectos da vida de Rothfuss
são bastante vistos no livro, o fato de ele querer aprender de tudo...
Dessa
mescla de original e tradicional, Rothfuss
planta sementes, que a meu ver, estará presente nas próximas gerações de
escritores e de suas histórias. Em algumas mais, talvez em outras menos. Mas
essa semente pode germinar de duas formas (talvez até três), a primeira dá
inspiração para recriar histórias igualmente boas, principalmente pelo Universo
do O Nome do Vento, em que o diálogo
em grande parte sobre a questão Magia/ Ciência, com um sistema “mágico”
excepcionalmente inteligente e bom. Diria até sedutor, por ser embasado em
filosofias e até em pesquisas científicas. Ele é um livro que nos inspira a
escrever, a criar as nossas próprias histórias, sejam elas originais ou nem
tanto. Inspira a nós criarmos formas inteligentes de narrar uma história, de
prender o leitor ou até da forma de escrevermos...
A
segunda forma está no contato direto da obra com outra que estamos a criar.
Isso é, podemos ver com certa claridade de onde vem essa inspiração. Assim como
O Trono do Sol vem da A Comédia Humana, em que uma cidade é o
palco do livro, desse último, Paris!... Não posso afirmar que seu autor, S. L. Farrel leu A Comédia Humana de Balzac,
mas que parece haver relação parece. Ou, mais próximo... A Espada de Shannara. Que inclusive para muitos parece quase uma cópia
do O Senhor dos Anéis. Temos também
livros que são ousados e de homenagens, como Fios de Prata do escritor brasileiro Raphael Draccon, que apresenta claramente uma mitologia vista na graphic novel Sandman, de Neil Gaiman.
Com
meus olhos do presente, os escritores primeiramente vão escrever (achando que
é) algo novo e depois vão se deparar com a proximidade com o livro de Rothfuss. Em
seguida, nos anos que se seguirão de suas carreiras, terão muito mais O Nome
do Vento como inspiração do que como alusão ou claridade de onde vêm os
mestres daquele escritor. Com O Senhor
dos Anéis, a coisa já é o contrário. Vejo inúmeras obras que, sem dúvida,
apresenta-o como uma leitura base para o livro.
De
uma forma ou de outra, o que eu quero dizer, e me atendo a parte sentimental
agora, esse livro representa algo em nosso contexto. Ele é importante, sua
história é importante, o marco que deixará será importante. Se será durável, eu
não sei.... na verdade estamos vendo de uma perspectiva errônea. Se O Nome do Vento vai marcar época? Sim,
isso tenho total certeza. Mas ele vai durar... 80? 100? 200? 400 anos?
Pegando
a literatura fantástica, em que hipóteses e sugestões são mais fáceis de serem
ditas com alguma certeza, justamente por ele ser classificado nesse gênero, o
que posso dizer é ele que pode a vir se tornar um clássico. Um daqueles que nós
futuramente, barrigudos e usando óculos, falaremos para uma geração mais nova, talvez
falando que livro de verdade mesmo é O
Nome do Vento, comparando com algum livro contemporânea de nossos netos.
Entretanto,
atualmente um aspecto extremamente crucial pode por si só transformar livros em
clássicos; ao mesmo tempo em que transforma as obras que podiam muito bem entrar
nessa classe em livros sumiços. Digo a respeito do mercado. Vivemos num mundo
globalizado. Informações passam de um lado do globo para o outro com a rapidez
de um piscar de olhos. Isso abre um contato de escritores e livros de todas as
partes do mundo... e o mercado tende a vender o que em seu devido momento?
Aquilo que as pessoas querem ler, aquilo que é vendido como água. Atualmente, e
com toda certeza bem diferente das épocas passadas – mesmo o mercado e as
tendências estando também presentes –, o mercado e as pessoas canonizam obras e
apagam outras das histórias, sendo as duas de igual qualidade e também de igual
oportunidade para entrar nessa devida classe tanto discutida aqui. Esse fator é
o que pode muito bem transformar o que eu disse aqui em verdades ou em grandes
mentiras – fazendo a bala sair pela culatra. Aqui no Brasil, no entanto, os livros
de Rothfuss são bem conhecidos no
meio fantástico. Nos Estados Unidos já estiveram na lista dos mais vendidos do
New York Times por semanas. No entanto, a sua popularidade chegará a índole
nacional? Ou até Internacional? Eu diria que, apesar de todos os elogios que eu
dei a essa obra, e todas elas com seus méritos – também não vamos esquecer de
outras tantas coisas que eu esqueci, deixei de citar, ou que talvez nem havia
notado –, O Nome do Vento é muito mais um livro de contexto, um clássico
de agora... mas que não tem um enorme peso que o faça cair em índole nacional
aqui no Brasil, muito menos de tamanho internacional de forma universal. Será
um livro bastante conhecido, mas que os olhares de agora, ainda está oscilante
em desaparecer ou se tornar um marco.
Alguns
fatores podem mudar a popularidade do livro de forma extrema. Elas são: a
história pode muito bem virar um seriado, e se alcançar tamanha fama como
outras derivadas de livros, tudo pode mudar para nosso amigo Kvothe; outro ponto está com o terceiro
livro, As Portas de Pedra, ainda em
produção (ou edição, depende da fonte), que se Rothfuss conseguir como um mágico colocar um desfecho simplesmente
divino e realmente marcante, dará um sentindo surpreendente A
Crônica do Matador do Rei. A marola pode muito bem virar um tsunami.
Matheus, concordo que O Nome do Vento pode facilmente se tornar um clássico, mas acho bastante provável que ele o seja dentro do seu gênero: um "clássico da literatura fantástica", assim como o são, por exemplo, O Mago de Earthsea e Elric de Melniboné. Isso porque ele tem ótima qualidade literária, mas todas as marcas que o inscrevem dentro do escopo dos livros de fantasia,num momento em que os próprios leitores se categorizam. Eu diria que Guerra dos Tronos está na mesma situação. Harry Potter já é um clássico - da literatura para jovens. E O Senhor dos Anéis apenas pôde transcender a categoria do fantástico por ser um marco incontestável na trajetória desse gênero. Porém tudo que eu disse tem a ver com a definição acadêmica; muitos poderão ter esse livro como algo fundamental para suas vidas e sua bagagem de leitor. E nesse sentido poderemos considerar que se trata de um clássico.
ResponderExcluirObrigado pela opnião, Ana!! Não quis adentrar muito na parte dele virar um clássico em seu gênero, por ter esperança que essas categorias possam sumir no futuro... E também por querer abortar mais a frente numa parte 2, quando o terceiro livro sair. Os demais comentados terão suas opniões nessa coluna, e lá levanterei vários pontos importantíssimos! \o/
ExcluirMatheus, concordo que O Nome do Vento pode facilmente se tornar um clássico, mas acho bastante provável que ele o seja dentro do seu gênero: um "clássico da literatura fantástica", assim como o são, por exemplo, O Mago de Earthsea e Elric de Melniboné. Isso porque ele tem ótima qualidade literária, mas todas as marcas que o inscrevem dentro do escopo dos livros de fantasia,num momento em que os próprios leitores se categorizam. Eu diria que Guerra dos Tronos está na mesma situação. Harry Potter já é um clássico - da literatura para jovens. E O Senhor dos Anéis apenas pôde transcender a categoria do fantástico por ser um marco incontestável na trajetória desse gênero. Porém tudo que eu disse tem a ver com a definição acadêmica; muitos poderão ter esse livro como algo fundamental para suas vidas e sua bagagem de leitor. E nesse sentido poderemos considerar que se trata de um clássico.
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