Algumas Palavras sobre Breaking Bad - 24 Quadros
Um
velho segurando uma arma no meio de uma estrada de terra – que está no meio de
um deserto – aponta para o nada. Ele está sem calça, apenas vestido uma camisa
verde. No fundo o som de sirenes. Aí você se pergunta, que porra é essa?
E eu respondo com algumas palavras em forma de um texto.
Breaking Bad é uma das
melhores séries já produzidas e tem uma legião de fãs. Como sempre,
há um grupo de pessoas que vê um, dois episódios e acha chato. Normal, se algo
não nos prende do começo, pode ser que essa série não seja para nós.
Entretanto, o que me causou espanto é perceber que pessoas dos mais diversos
gostos gostam muito dessa série. E é porque ela consegue enquadrar inúmeros
símbolos, desde controle, poder e ganância à determinação e astúcia e amor.
História e Roteiro
Por baixo dessa grande jornada de Sr.
White podemos diminuir a história para algo simples: um homem que tenta
conquistar o controle da sua vida e do seu destino. Acontece que esse caminho
trilhado por esse professor com câncer arrasta todos a sua volta para a
desgraça, quase como se aquele fosse o preço de uma pessoa tentar controlar seu
destino. Talvez isso seja uma lição do perigo dessas ações é que, como
aprendemos no final, devemos reconhecer nossas responsabilidades (“Tudo que eu
fiz... eu fiz isso por mim. Eu gostei de fazer. E eu era bom naquilo. E eu me
sentia... vivo.”) e ajeitar tudo. Seja o que for que fez nosso destino sair das
nossas mãos, o preço de recuperá-lo é árduo, e Walter nos mostrou que a
caminhada, meus amigos, nunca será como imaginamos, e pode cobrar altos preços.
Entretanto, jamais deveremos simplificar a série à esse
ponto.
Quando fui à uma palestra do Brian Azzarelo sobre
roteiros, ano passado na Comic Con, o quadrinista acabou citando algumas vezes
a série:
- Breaking Bad é uma ótima
série. Seu roteiro é perfeito. Eu não mudaria nada nele, do começo ao fim. O
final é simplesmente perfeito e deu tudo aquilo que eu queria ver. (Não foram
exatamente essas as palavras, mas é a ideia geral).
Acho que isso é um dos principais
pontos que todos adoram nessa série. Não tem o que você mudar. Não precisa ser
escritor para você entender o que deve ser mudado ou não. Antes disso,
escritores, roteiristas também são leitores e amantes de filmes e séries. É
questão de sensação. Você se sentir satisfeito com o que está vendo. Não haver
nenhuma falha, nada forçada: pelo contrário, tudo criado com equilíbrio e
leveza. Talvez você fique irritado e puto com certos eventos, mas é
simplesmente porque aquilo te afetou, não que é ruim. Breaking Bad, ao
que se acredita por ter um roteiro maravilhoso, será marcante em quase sua
totalidade. Não, não é isso. Os roteiristas e o criador souberam dosar
perfeitamente as tensões no roteiro; nas falas dos personagens. Só uma ou outra
vez realmente você escutará aquilo que ficará na sua cabeça: “Say my name” “I’m
the danger” “Yeah, Science!”. São frases utilizadas apenas uma vez ao longo de
5 temporadas. O próprio nome de guerra de Walt, Hesinberg, foi
usado tão pouco que da para contar nos dedos. Entretanto, eles são tão
marcantes pelo fato de serem raros, que acabam “mitificando” a série, sendo
esses alguns dos pontos altos (em falas); e a representação dela.
O tom encaixa perfeitamente com a
história. Se percebermos, é uma história simples, igual as falas, mas ela é tão
bem construída e finalizada que essas falas representam muito mais do que
aquilo que elas falam apenas “sonoramente”. As situações aparecem de uma forma
esperada (espere um momento, vou explicar porque às
vezes é difícil afirmar isso) e são resolvida, em grande parte com
soluções igualmente esperadas. A câmera segue padrões simples de filmagem. Nada
de muito extraordinário. E basta dar uma olhada nos personagens... o que vocês
sabem das vidas deles? Percebem? Parece que eles não têm um passado. Quem são os
pais de Walter, o que fazem? Como foi a infância dele? Como conheceu a Skyler?
Em qual Universidade se formou? .... Agora faça essas perguntas à cada
personagem.. e você perceberá que terá respostas simples: um perdedor, um
policial, uma esposa, um submisso, um filho, um rico, traficantes,
empreendedores. Pegue a história de Gustavo Fring. A representação de sua vida expressa
exatamente o tom da história. O passado de Gus no Chile é praticamente
queimado, não existe... em contra partida, sabemos apenas de algumas coisas,
como arranjou uma reunião para apresentar a proposta da venda de metanfetamina,
e que ele imigrou do México. O que tiramos disso e que a série comprova a cada
episódio? As escolhas.
Em Breaking Bad elas
sobrepõem a história de vida, como se o passado de alguém não é
majoritariamente o que faz uma pessoa. Não é a única que transforma o eu.
E isso vai contra quase toda produção cinematográfica e de TV (claro que ela
não é a única, e que há muitas que abordam dessa forma, mas elas são
pouquíssimas comparadas a toda produção). Nada de fantasmas do passado lhe
assombrando em flashbacks, e se eles aparecem, estão relacionados aos momentos atuais. Quando Eliot, na última temporada, fala que Walter só
teve a criação do nome da empresa como contribuição para ela, ele não relembrou
a sua mágoa interna, apenas sentiu seu orgulho ferido.
As Escolhas
O ponto que quero mostrar é que, se
as escolhas predominam na história – e seu ápice é quando Walter
decide seguir como cozinheiro e traficante, mesmo sabendo de todos os maus que
vem com essa decisão – quer dizer: o que devemos ver é o presente e seu
desenrolar, ou seja, devemos ver o todo que está na tela; aquilo é
importante... E quando digo tudo... é tudo! As roupas, os móveis, os objetos,
as fotos, as cores, os lugares, as posições, as expressões... e por aí em
diante. A teoria das cores é um grande exemplo. Lavar carro e lavar dinheiro. O
Walter sempre estar pensando perante a uma piscina. Quando alguém
apanha, apenas um lado fica estourado (sempre é um lado). Há muitíssimas coisas
para exemplificar, mas acho que vocês entenderam. Basta olhar a fotografia da
filmagem, é simples sim, mas... ela é utilizada para mostrar o que devemos ver.
Geralmente o enquadramento é amplo, mostrando todo o ambiente, os contrastes,
mostrando todas as pessoas inteiramente, mostrando os objetos, o cenário; basicamente
toda a totalidade. Não há o que esconder ou causar mistério, as cartas estão
postas na mesa.
Acontece que há uma exímia ligação entre esses aspectos e as
situações e os eventos que se sucedem na história. A escolha delas é genial.
Podemos ter um roubo de um trem... mas ele é de Metilamina, e é feita com apenas
4 pessoas, um reservatório de água e algumas mangueiras. Ou quando se precisa
roubar um barril... de Metilamina... e você prende um guarda num banheiro
químico, enquanto queima uma fechadura com o material de brinquedos e saí
carregando o barril em dois (sem rolar...). Essa face multifaceta da série junto com
todos os detalhes é o que faz dar a noção de uma história complexa, apesar de
ter resoluções esperadas. Ou seja, a espinha dorsal da história segue simples,
mas o corpo tem tanta carne, repleto de órgãos e tendões, articulações e
cartilagens, conexões neurais e um coração que bombeia forte para suas veias e
artérias... que você não consegue ver a constituição primária.
Arquiteto ou
Jardineiro?
Sabe quando você lê e assiste algo em que a seqüência de
eventos se sucedem, uma atrás da outra, como se sempre surgisse problemas? E
quando a história opta por interligar todos os pontos para converter em
situações e eventos arquitetados desde os primórdios? É comum ver essas duas
faces, e principalmente a segunda me agrada bastante na maioria dos casos. Eu
poderia dizer que os detalhes e os eventos de Breakings Bad estão todos
amarrados, como se fossem planejados antes mesmo da gravação da 1° temporada. Entretanto
assistindo pela segunda vez comecei a me perguntar se era mesmo assim. A
conclusão: o criador da série optou por mesclar. Não sei dizer se foi a
primeira intenção dele, mas é visível. Algumas coisas estão conectadas do
começo ao fim e provavelmente estavam no esboço da história, outras... em vez
de apenas serem detalhes relevantes para aquele momento, Gilligan acabou deixando correr a narrativa, e para não ser a mesmíssima ele decide tirar o
máximo proveito das situações e detalhes. Logo você vê uma situação que não
gera apenas mais outra em seqüência, mas ela cria ramificações que seguem em
caminhos paralelos, mas diferentes. A recina, um veneno que Walter produz, se
apresenta primeiramente como solução, para em seguida acabar com o psicológico de
Jesse, depois faze-lo ficar ao lado de Walter, depois contra, e
enfim ser uma última arma utilizada para matar os resquícios de seu trabalho,
sua marca. Ou a morte de Tuco que coloca Walter no controle do
tráfico, faz o Tio Salamanca odiar Walter, dois irmãos
caçarem-no, criar uma dívida com Gus, aleijar Hank, criar o ódio
do Cartel à Gus, gerar um massacre, fazer o Tio ser torturado, e
depois causar a morte de Gus. É como matar vários coelhos com uma
cajadada só. E a cada situação retirada de uma única morte. As ramificações que
se criam se desenrolam, criando uma grande teia interligando cada ponta.
Assim, a mescla de arquitetar a
história e tirar máximo proveito das situações seqüenciais – ser como um
jarneiro e ver o que cresce dali –, acaba trazendo uma sensação de prazer por
se ver tudo conectando com maestria.
Fotografia
e Narrativa
Por último, falarei da narrativa. Na
literatura ela aborda um campo vasto, mas que é mais comum de entendermos e
analisarmos, ou de até percebermos. No cinema ou na TV há uma narrativa e ela
também é vasta. Entretanto, o que muitos deixam de lado é a câmera. Da
fotografia. Para mim ela é uma narradora que dá voz ao diretor e criador Vince
Gilligan. Como dito antes, a câmera acaba mostrando a cena inteira, sua
totalidade, não deixando de mostrar nada, não causando nenhum mistério. Essa é
uma das formas narrativas. Outra, é como as situações são mostradas. Você já
deve ter percebido como a série valoriza o silêncio. A ausência de som na vida
cotidiana da casa de Walter, da família tomando café, de um passeio de carro.
Por um momento é um silêncio até que constrangedor. Entretanto, os silêncios
mais memoráveis são aqueles que se segue após um momento de Boom.
Isso é,
quando Tuco sequestra Walter, ele sai de casa, observa Jesse,
vê o cara apontando a arma e chamando-o para dentro, e sem nenhum barulho, sem
hesitação alarmante, ele entra e o carro sai dali em uma velocidade baixa,
calma e serena. Outro momento é quando Walter desaparece por alguns
dias, quando Skyler já sabe de tudo, ele volta para casa, ela pergunta
se ele ta bem,e ele responde que sim, e só. Ele sai andando para entrar no carro
e câmera acompanha de perto seu rosto. Nessas duas cenas a câmera, ou seja, a
forma da apresentação da história, não se alarma, não fica trêmula, nem
corrida, nem acelerada. Ela continua a mesma. E isso, pode acreditar, quebra
nossas expectativas sem percebermos.
Estamos tão acostumados de ver uma
narrativa que se enquadra ao momento da cena, que quando veremos algo anormal
na história, e esperamos uma filmagem anormal, ela continua a mesma, quase como
se aquele momento alarmante e desesperador é completamente comum, mesmo você
sabendo exatamente que não é. A utilização desse método não é usado o tempo
inteiro, e em certo momento, para o final de Breaking Bad, ela acaba
mostrando que realmente essas coisas desesperador se torna o cotidiano de Walter.
Entretanto, essa fotografia se mantém contínua ao longo dos episódios,
juntamente com o silêncio e a totalidade da cena. E isso, meus amigos, é uma narrativa
tão boa e imperceptível à primeira vista, que é mais um dos motivos de a série
ser tão boa.
Ainda pode se falar muito sobre
Breaking Bad. Há blogs e mais blogs falando sobre a série, suas visões e
pensamentos diferentes. Há ainda a excepcional atuação dos atores, o
desenvolvimento dos personagens, a trilha sonora, a rigidez em que é
apresentada a parte química da série, e muitas outras coisas. Breaking Bad
ainda será muito falado e alvo das críticas. Muitos ainda assistirão essa série
e darão razão a nossas opiniões. Eu decidi apresentar esses pontos escolhidos,
debater um pouco mais para abrir mais alguns leques para os fãs, ou fazer as
pessoas começarem a assistir. Queria também revelar mais um pouco da genialidade da
série e mostrar que ainda se pode descobrir muito mais coisa. Mas por hoje,
caros leitores, é só. Deixo por último uma pequena referencia à outra série tão
amada quanto....
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No
episódio 11 da 3° Temporada, quando Walter decide lavar seu dinheiro junto com
Skyler, Saul sugere um lugar, que ao seu olhar, é maravilhoso para lavagem de
dinheiro. Ele olha para o casal e diz animado: Wait for it... Laser Tag. Alusão
clara a famosa frase de Barney em How I Met Your Mother, com a mesma entonação
dele, além de seu lazer preferido na série \o/ Lembrando também que os dois,
tanto Bryan Cranston (Walter White) quanto Bob Odenkirk (Saul Goodman), atuam
em How I Met, e durante a 3° Temporada de Breaking Bad, ela ainda estava sendo
rodada.