A Eterna Guerra Épica: Personagem e História
Hey,
chega junto! Vamos conversar um pouquinho. Quero falar a respeito de algumas
coisas interessantes. Uma discussão antiga!
Quão velha é uma
história? Quão velhos são os contadores de história? É meio difícil definir,
mas gosto da ideia do Kvothe, em que, quando se ascendeu a primeira
fogueira, havia contadores de história ( e talvez antes) para enriquecer suas
tribos. Mas, então, o que eles contavam das histórias? As pessoas de tempos
remotos pareciam se embebedar nas narrativas fantásticas para buscar respostas
e explicar questões. Buscavam refúgios psicológicos, entretimentos, histórias
cujo seus sangues ferveriam. As narrativas fantásticas criavam pensamentos,
forjavam homens e mulheres, crianças e jovens. As histórias e suas narrativas
faziam as pessoas acreditarem em credos, agirem de acordo com modos e costumes específicos.
As narrativas então inseridas nas pessoas assim como as pessoas permeiam as
narrativas.
Eae volto à pergunta, o que eles
contavam? Para ser mais claro, contavam sobre heróis ou sobre histórias? Personagem
ou história? Esse é sem dúvida uma grande questão aos escritores modernos,
fruto de muitas hesitações e principalmente da percepção que os escritores têm
de seu mundo. O que é priorizado, o personagem ou a história? Os eventos que
moldam os personagens ou o personagem que molda os eventos?
Liev
Tostói em Guerra e Paz mostra
como a História é o grande motor que gera tudo. Os eventos são os moldadores, e
não é de estranhar que quando se volta de uma guerra a pessoa está mudada.
Separado por algumas décadas, Milan
Kundera em A Vida Está em Outro Lugar
vê também a História como uma grande
força que atua entre as pessoas, que as mata, faz elas mudarem assim como nascerem ou renascerem.
Temos então um Patrick Rothfuss em pleno século XXI mostrando em O Nome do Vento que Kvothe é o grande
moldador da história. Tudo que está a sua volta muda, por um acaso ele mata
um rei e isso gera uma guerra que arrasta os mais jovens para a esperança e a
morte.
Deixo claro que a história que
estou querendo mostrar não é apenas a História com letra maiúscula, aquela que
temos nas escolas e em livros didáticos. Ela também é a história do livro, o
enredo, sua narrativa própria. Alguns escritores como Gabriel García Márquez desenvolveram em seus livros a importância
da história, e apesar dele seguir em Cem
Anos de Solidão a estirpe dos Buendías, eles são arrastados ininterruptamente
pela solidão de uma América Latina.
Temos também uma grande crítica a
esses tipos de histórias... Lembremos-nos do Clube da Luta de Chuck
Palahniuk em que, diante das maiores adversidades, eles estão lutando para
destruir a história, tornarem-se os protagonistas, não mais os peões do tabuleiro.
E agora, o que resta disso? Qual a
maior importância? Personagem ou história? Um escritor moderno se vê
encruzilhado nisso, a criação e construção de um herói, sua vida e os eventos
que vive ou a criação de uma história empolgante que não tem o personagem como
o principal ponto. Às vezes histórias são os próprios personagens, em alguns
casos cidades como Balzac retrata em
A Comédia Humana com sua Paris ou O Trono do Sol de S. L Farrel com sua Nessântico. Adentrando no gênero fantástico,
temos um mar de livros, histórias e personagens, que dão inúmeros exemplos dos
dois lados. No caso da história, muitos autores de fantasia adoram e amam de
coração explorar o seu mundo, explicar ele aos outros, mostrar pedacinho de
contos daquela terra, raças, heróis e animais fantásticos. Um grande exemplo é Tolkien. Muito do seu gosto de escrever
parece estar em envolver um multiverso na história, colocar tudo que
desenvolveu de seu mundo em pequenas pitadas no que é O Senhor dos Anéis. E também não ficamos surpresos com a grande empolgação
de seus fãs que às vezes preferem O
Silmarillion.
Outros autores querem trazer os
personagens. Esse sim tem o poder de mudar as coisas; outro grande exemplo
disso é Brandon Sanderson em Elantris e em Mistborn. Sinto que para ele é um prazer escrever sobre os
personagens, e muitas vezes nossas ligações se estreitam com suas criações. Por
isso acabamos chorando.
Em contraste temos Isaac Asimov com seu clássico Fundação. A graça nessa história não
está tanto em sentirmos os personagens. Eles não têm nenhum controle da
psico-história. Tudo já foi previsto, o imenso caos que que imundaria o Espaço. E o
que realmente nos empolga é ver os eventos acontecerem, os personagens
sofrendo a ação do tempo e das grandes transformações que percorrem a galáxia.
Apresentando esse debate com grandes
autores e suas grandes histórias parece apenas embananar todo esse texto aqui.
Parece que não poderemos chegar há algum lugar.
Mas, talvez para criarmos alguma ideia básica, seja preciso embananar
mais nossas cabeças.
Essa grande questão talvez tenha
surgido pelas perspectivas criadas, isso é, a visão que o autor quis colocar em
sua narrativa. É como mostrar algo, mas devidamente sabido que livros podem ser
contados de formas diferentes. Personagem e história seriam a mesma coisa, e
uma é apenas perceptível quando se decide contar uma narrativa. Um personagem
tem sua história, ele sofre pelos eventos que passou na vida ao mesmo tempo em
que passa a levar eventos a outras pessoas. E assim num efeito de teia de
aranha, em trocas mútuas. Sem história não temos personagem, sem personagem não
temos história. Um é o outro, e nenhum existe na ausência do outro.
Se quiser pensar numa
forma literária, ela é como o protagonista do Clube da Luta, estão no mesmo corpo, mas ora o Taylor assume as
rédeas das coisas, ora o personagem sem nome vem à tona. E aos poucos vamos
entendendo que os homens não estão brigando com a história, eles estão brigando
contra outros homens. Que as mulheres brigam contra outras mulheres. Pois, quem
faz as histórias também são homens e mulheres, e eles brigam no clube da luta.
Histórias brigam com personagens e personagens brigam com a história, incessantemente
uma luta que perdura por milênios, cuja única importância que podemos dar a
elas agora é aproveitar as histórias e os personagens.
Texto sensacional. Parabéns!
ResponderExcluirMuito obrigado, Lucia!! Fico agradecido que gostou mesmo. Convido a ler mais dos meus textos \o/
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