Fantasia e Detalhes - Ensaios de Delírio
Fantasia
é um dos gêneros mais diversos possíveis. Para alguns a própria ficção já é uma
fantasia. Outros teimam falar que o romance não é fantasia, isso porque não tem
coisas “fantásticas” como seres diferentes, dragões ou armas misteriosas e etc.
Fantasia, poderia dizer, é um gênero total – isso se algo realmente total
existisse. E como ainda não existe esse tipo de coisa hoje em dia, eu diria que
a fantasia é algo que aborda quase tudo, e um pouquinho mais. Ela pode contar a
história de um romance, de perdas familiares, sobre a morte, guerras,
pirataria, mudanças sociais, pensamentos, ideias, crítica social, drogas,
estupro, cidades, luta de classe, sistemas imperiais, travessuras, pilantragem,
colonização, conquistas. Ou seja, tudo. E ao se aprofundar em cada minúcia de
sua história, tiramos delas o que realmente a torna única. Muitas vezes essas
fantasias nos atingem como uma pedra de um estilingue na infância, e jamais
esquecemos de uma frase, de uma fala, ou de detalhes.
"Detalhes, detalhes são importantes!...", já dizia Raskólnikov, usando um chápeu alemão. Uma das coisas que mais gosto da fantasia é justamente
isto: o detalhe. Em uma série longa como As
Crônicas de Gelo e Fogo, dá-me o prazer de ver esses pequenos detalhes tão
minuciosamente cuidados ao longo das páginas e dos livros. Não estou querendo
falar a respeito do detalhamento das construções, da trama ou até dos sentimentos,
mas de míseros detalhes, muitas vezes até materiais e insignificantes que estão
ao longo de toda a história. Um dos exemplos é uma flor - ela está na página 356
do primeiro livro, na página 154 do segundo, na 860 do terceiro... ela está lá!
Tentem me entender por um momento. Essa flor de certo não tem importância
nenhuma para a história em si, mas ela está lá, por algum motivo. O autor
decidiu escolher aquele nome e coloca-la naquele certo lugar em certo tempo. E
o mais mágico de tudo isso é: o autor não se esquece dessa flor até o final e
ela estará em muitos outros lugares representando alguma coisa que eu ainda não
identifiquei ou que realmente não tem um significado muito grande.
Mesmo
assim ela ainda está lá!
O
grande prazer de vê-la ao longo da história é o prazer de sentir que até uma
misera flor está presente na vida das pessoas. De forma consciente ou não, é
como a nossa vida, em que certas coisas sempre são costumeiras e geralmente
nunca vimos, mas esses detalhes diários estão lá, estão vivos, e algumas
pessoas ainda dão importância para ela ou a notam, ao mínimo. Peguemos, por
exemplo, o casal pintado em diversos lugares da cidade na graphic novel Watchmen.
Aquilo há uma significância que remonta ao medo da guerra nuclear
e o exemplo de Hiroshima e Nagasaki - marcados por sombras de radiação nos
destroços. Mas esse detalhe está por todo o lado, enquanto as pessoas estão
andando. Provavelmente eu sou louco o bastante para imaginar sobre a construção
daquele detalhe, do porque do nome de certa coisa ou até sua origem. Deixo
minha imaginação perambular nessas pequenas coisas que constituem uma obra
prima de literatura.
Para
alguns esses detalhes não são importantes e seus olhos passam reto como se
aquelas palavras fossem invisíveis; se querem assim, que assim seja, não
julgarei... No entanto quero que pare por um instante e pense numa daquelas
trilogias ou séries de livros que você leu e amou. Não posso afirmar por não
conhecer você, ou até nunca ter conversado contigo diretamente, mas quero que
relembre a história e as coisas que são bastante marcantes nela. Se você ficar
um tempo rememorando as páginas, as linhas e as palavras, acredito que você
encontra um dos detalhes que te fazem, assim como outros, amar aquela obra. É
uma suposição, mas arrisco afirmar que há no mínimo um detalhe que você
lembra... isso porque detalhes ficam cravados em nossa mente, mesmo que até
inconscientemente. Você tenta retirá-los da história e percebe que não há como.
Eu posso não ver esse detalhe, mas você e outro alguém lembram muito bem deles.
É uma posição de luta, um golpe de espada, um jeito de acariciar os cabelos
dela ou dele, uma bebida, comida, canção, gesto, beijo... É um ato de doar
dinheiro, um bocejo, um olhar. É um sentimento, uma palavra, um adeus.
Faço
apologia ao detalhe, à interpretação livre dele. Falo do sentimento de você
criar um vinculo com coisas que no final das contas podem muito bem não ter
importância, e essa emoção, de se desprender de algo que não tem um peso
enorme, dá uma sensação de liberdade, um prazer de gostar daquilo sem aquilo te
ofender, te machucar ou virá-lo de cabeça para baixo. Falo do gosto de ver isso
nos livros, ver essas coisas vivas na vida de algumas pessoas; não de todos, e
aí que está a graça, porque ela se torna algo particular para ti. Eu tenho
algumas e torço por vocês buscarem os seus detalhes, as coisas pulsantes aos
seus olhos, o que te faz dar prazer nas histórias e em lê-las.